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quinta-feira, julho 27, 2006

Caro Marcelo Mendes Pinto 

- Já agora, convém lembrar que as forças económicas portuenses (sempre tão bairristas…) nunca foram sensíveis aos pedidos de patrocínios e/ou mecenato para o "seu" Teatro Municipal. Por exemplo o mecenato do BPI, logo a seguir ao Porto 2001 baixou drasticamente e transformou-se num patrocínio de mil contos (como publicidade na capa dos cadernos do Rivoli) e depois acabou…

- Continuando a falar de patrocínios, lembras-te quando impediste que a organização das Festas do S. João deixasse de ser feita pela Culturporto e de como lutaste pela obtenção dos patrocínios das cervejeiras que a Câmara queria "re distribuir" (agora é a Porto-Lazer que organiza as Festas e da direcção da Culturporto ou da vereação não se viu nem o esboçar de um protesto)

- Por falar em programação – ou falta dela – também me lembro de como o Rivoli era constantemente criticado pelas lacunas de programação e apoio à criação, mas o Campo Alegre, onde nada acontecia (só sobreviveram as “5as de leitura”), nunca era questionado.
Se no início isso nos preocupou, depois deu um enorme gozo: era sinal que conseguíamos manter altas as expectativas - claro que nem sempre as cumprimos, mas não deixámos de tentar.

- Em 2004 a Câmara (através do "Grupo de Trabalho para a Animação do Porto no Euro 2004") tentou diluir a programação própria com que a Culturporto quis participar no Euro 2004 – o ciclo de programação " Pontapé de Saída" – nas actividades do "Grupo de Trabalho". Tivemos de lutar para manter a identidade e a lógica própria da nossa programação.
Esta atitude foi incompreendida e muito criticada por aquele "Grupo de Trabalho", mas é bom que se lembre que o "Pontapé de Saída" foi considerado por muitos jornais e até pelo Instituto das Artes como um dos mais completos e interessantes de todos os programas de ligação entre a Cultura e o Futebol realizados em Portugal no âmbito do Europeu de Futebol.
Do trabalho realizado pela Câmara, não reza a História…

- Defendeste a Isabel Alves Costa numa altura em que a sua cabeça foi pedida, por ela ter cometido o "terrível delito de opinião" de defender o Pedro Burmester na Casa da Música. E também não alinhaste na posição oficial de perseguição que a Câmara fez ao mesmo Pedro Burmester.

- Abrimos uma livraria no Rivoli (com a In-Úteis – a mesma de Serralves). A livraria era a única especializada em Artes do Espectáculo e não custava dinheiro à Culturporto. Hoje está fechada.

- Negociámos a posse do quiosque da praça D. João I (trata-se de uma peça do arq João Mendes Ribeiro, premiada, que esteve na representação de Portugal na Bienal de Veneza) com a Casa da Música e de como tudo estava a correr bem quando o interlocutor na administração da Casa da Música foi o eng Hélder Sampaio e chegámos a ter reuniões com o arquitecto para melhorar as condições de utilização. Depois, com nova administração foi-nos negada essa pretensão. O quiosque ainda hoje está fechado… e parece um gigantesco out door de auto-estrada no meio da praça. Viva a animação da Baixa…

- No Natal de 2004 mandámos fazer uma " T-shirt-Culturporto" exclusiva que oferecemos a todos os funcionários, demonstrando o apreço que tínhamos pelo "amor à camisola" que sentíamos da parte de todos. Lembras-te do espanto com que comentámos as afirmações do Presidente da Câmara quando disse, em Maio de 2006, que havia funcionários com "falta de gosto de trabalho"? O que é que terá mudado?

- Lembro-me de quando o Gabinete do Presidente da Câmara quis fazer uma Animação Cultural na Baixa, por sua iniciativa, sem a "encomendar" à Culturporto, como seria natural, uma vez que faz parte das suas atribuições. Lembro-me dos resultados: um estrado de 30 cm de altura no meio da praça D. João I com uma menina a fazer dança do ventre, com música gravada, num espectáculo confrangedor. Os outros espectáculos foram parecidos, mas noutros locais. Também me lembro do contentamento com que era dito que aquele "programa" não custava dinheiro. Pudera!

- Nessa altura estávamos a preparar, com o Centro Nacional de Cultura, a Festa da Baixa, de que fizemos duas edições, com mais de duas dezenas de parceiros.
A Festa na Baixa era feita com um orçamento ridiculamente baixo e assumido como um espaço de cumplicidades entre as entidades culturais da Baixa.
Agora a Culturporto foi afastada e o CNC organiza a Festa sozinho com a Câmara, que lhe chama, despudoradamente, primeira Festa na Baixa. Foram assim deitados fora todos os conhecimentos adquiridos nas duas edições anteriores e a Culturporto foi esvaziada de mais um programa (e, para quem não saiba, um dos actuais directores da Culturporto, António Teixeira, participou na segunda edição da Festa na Baixa, com uma exposição de fotografias pin-hole nos Maus Hábitos e também ele nada fez quando a Câmara afastou a Culturporto das novas edições. Isto mostra bem as diferenças do que é lutar pelo que se acredita ou ficar calado a colaborar).

- Mas a lógica de fazer coisas sem dinheiro não era sempre igual: No Natal de 2003 a Culturporto foi contactada pelo Gabinete do Senhor Presidente da Câmara para fazer a produção de um concerto de Natal e Ano Novo (repetido três vezes) ao ar livre, na praça D. João I, com o guitarrista Silvestre Fonseca e uma orquestra com músicos estudantes da ESMAE. O orçamento desse concerto era uma fatia MUITO significativa do que tínhamos para programar o ano inteiro dentro do Teatro.

- Já agora, e para mostrar a demagogia da “oposição cultura - apoio social”: em Junho de 2003 co-produzimos o vídeo documental “Fronteiras” no Bairro do Lagarteiro, (com a produtora Zebra) sobre os miúdos que aí vivem. Durante umas semanas devolvemos-lhes dignidade e auto confiança. Trouxemo-los ao centro do Porto (alguns deles não vinham cá há anos!) e ao teatro. Mostrámos-lhes que a vida deles pode ser diferente da dos toxicodependentes que os rodeiam. Demos-lhes esperança. No bairro havia uma esquadra de polícia de onde os agentes nem se arriscavam a pôr um pé de fora. Nós passeámos por lá à vontade. Nesse mesmo bairro tinha havido uma sala de actividades de tempo livre, com animadoras empenhadas que ajudavam a manter os miúdos afastados dos “agarradinhos”. A sala estava fechada. A Câmara tinha desistido dela.

A lista já vai longa e é mais do que suficiente para explicar porque é que eu não me espantei de te ver na vigília.
Mas a História não acaba aqui: a Direcção que me convidaste a integrar (com a Ana Bela Oliveira como directora financeira), foi substituída por um fotógrafo e uma … engenheira alimentar. Nessa altura ninguém disse nada (excepção feita ao Público e ao Jorge Marmelo que escreveu um texto notável também no Público, em 29 de Janeiro de 2005).
O que é que estavam à espera desta direcção da Culturporto? Não foi um prenúncio do fim? Ninguém reparou nisso. Ninguém disse nada.
Finalmente, dizer-te que, quando saí da Culturporto, costumava dizer que tinha mais orgulho naquilo que tínhamos conseguido impedir que acontecesse do que no que fizemos, mas acho, olhando para trás e para o estado actual, que também tenho orgulho do que fizemos.
Foi um gosto trabalhar contigo naquele fantástico equipamento de produção cultural que é o Rivoli/Culturporto, e com aquela equipa altamente profissional e motivadíssima para aceitar os desafios.
Agora fico com muita pena dos espectáculos que não vou poder ver, porque, apesar de eu não ser do Porto, sei bem que aquele não é um equipamento regional.

um abraço do
João Alpuim Botelho

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Comments:
Note-se uma citação de Álvaro Castelo-Branco, vereador da CMP, que por coincidência é familiar da engº alimentar directora da Culturporto referida:
«Não sei quem é o Dino Meira, mas se me disserem que vai atrair milhares de pessoas, eu acho que deve ser promovido esse espectáculo».
Público, 26.7.06, notícia com o título «Maioria PSD/CDS admite extinguir a Culturporto»
 
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